quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A realidade, em pleno século 21, dos trabalhadores brasileiros nos ricos canaviais do país (parte 4)

Este post foi dividido em seis partes porque a matéria aqui apresentada é extensa e densa. Esta série de reportagens, realizada pela Folha de São Paulo (apenas para assinantes), pretende mostrar a cruel realidade do dia-a-dia dos cortadores de cana-de-açúcar no país. É um verdadeiro 'soco no estômago' no comodismo da tal Justiça Social.
"A democratização das nossas sociedades se constrói a partir da democratização das informações, do conhecimento, das mídias, da formulação e debate dos caminhos e dos processos de mudança." (Betinho)
 
Parte 4: "Terceirização freia aplicação de medidas de segurança" e "Riqueza e senzala"
 

O submundo da cana

Estado que detém 60% da produção nacional de cana-de-açúcar, São Paulo não divide a riqueza derivada do boom de etanol com seus 135 mil cortadores, que vivem muitas vezes em situações precárias
 
MÁRIO MAGALHÃES
JOEL SILVA
ENVIADOS ESPECIAIS AO INTERIOR DE SP
 

Terceirização freia aplicação de medidas de segurança

A edição de março de 2007 do jornal "Contato", da usina Nova América, divulgou suas operações na lavoura, por meio da Nova América Agrícola: "Hoje 100% do plantio manual, incluindo os terceiros, já conta com o cinto de segurança". No mesmo mês, uma blitz do Grupo Móvel de Fiscalização Rural visitou uma fazenda em Maracaí (SP). Flagrou funcionários da Nova América em cima de um caminhão, a mais de 2 metros de altura, jogando cana para ser plantada por quem seguia no chão.
O pessoal sobre o veículo não usava cinto. A empresa comprometeu-se a assegurar equipamento a todos.
A realidade da roça nem sempre corresponde 100% à propaganda das usinas de etanol. No mês passado, o presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar, Marcos Jank, participou da Mesa de Diálogo com governo e sindicalistas para tratar do trabalho na cana.
Jank afirmou, segundo a Agência Brasil: "Já 100% das usinas não estão terceirizando o corte da cana, mas ainda há problemas nos fornecedores de cana em São Paulo".
Três semanas depois, o procurador do Trabalho Silvio Beltramelli Neto acusou a usina Santo Antônio de terceirizar ilegalmente a produção de cana.
A Justiça determinou em liminar que a usina "abstenha-se de contratar terceiros". A Santo Antônio diz "não ter trabalhadores terceirizados".
A Cooperativa dos Plantadores de Cana da Zona de Guariba promoveu campanha com seus funcionários para prevenir câncer. No canavial, quase 100% dos cortadores não recebem protetor solar para evitar o câncer de pele.
 

Riqueza e senzala

Estado mais rico do país tem casos de trabalho escravo; procurador fala em "apartheid" nos canaviais
 
Quando os fiscais do Ministério do Trabalho e os procuradores do Ministério Público do Trabalho partem para diligências nos canaviais, as chances de encontrarem irregularidades equivalem às dos clientes dos serviços de "pesque-pague" disseminados pelo interior paulista fisgarem tilápias sem dificuldades: nos lagos, há profusão de cardumes; no campo, as condições de trabalho dos cortadores estão longe de cumprir plenamente a lei.
Mesmo sem os instrumentos legais de investigação à disposição dos servidores públicos, os repórteres não passaram por lavoura onde não houvesse infrações.
Em Taiaçu, os trabalhadores saíram para a roça de madrugada, em ônibus com luzes dianteiras e traseiras queimadas.
Em Serra Azul, não havia água gelada, banheiros móveis, área coberta para as refeições e muitos canavieiros não usavam alguns EPIs (equipamentos de proteção individual).
Em Pederneiras, uma lavradora estava com luva cirúrgica de borracha, não de couro com reforço metálico, como determina a norma de segurança.
Ela pegou as luvas emprestadas com uma amiga que atuou como mata-mosquito na campanha de combate à dengue. Uma das luvas foi cortada pelo facão na véspera, ferindo um dedo (o acidente não foi registrado, o que contraria a legislação). As botinas com bicos metálicos de boa parte dos peões estavam destruídas.
Em Limeira, também não se viram alguns EPI's. Idem em Piracicaba e Charqueada. Em Dois Córregos e Guariba, cortadores vivem em pardieiros sem conforto e limpeza -falta até papel higiênico.
Em Agudos, em uma rescisão contratual, um casal apresentou os contracheques comprovando remuneração inferior a um salário mínimo mensal. Marido e mulher ainda deviam mais de R$ 100 cada um ao contratador de mão-de-obra, que retinha documentos dos funcionários havia três meses.
Hoje são proibidos e ficaram mesmo para trás os caminhões que transportavam os bóias-frias da cana em São Paulo. Mas perduram frotas de ônibus deteriorados e inseguros, sem autorização para rodar.
As empresas são obrigadas a fornecer de graça equipamentos de segurança. Às vezes não fornecem e às vezes cobram.
São pequenos inconvenientes, se comparados aos episódios de "redução a condição análoga à de escravo". O crime é tipificado pelo Código Penal. Ocorre quando se submete alguém a "trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto". A pena é de multa e reclusão de dois a oito anos, além de sanção correspondente à violência.
 
Resgates e libertações
Desde 1995, quando entrou em ação, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho "resgatou" -é o verbo oficialmente empregado- 30.036 trabalhadores no Brasil. As indenizações somam R$ 42 milhões. São raras as condenações judiciais.
O recorde foi batido no ano passado, com 5.999 "libertações", outra expressão adotada pelo governo. Neste ano, até junho, 2.269 pessoas foram encontradas em condições análogas à de escravo.
Fiscais e procuradores se transformaram em uma espécie de caçadores de escravos ao contrário -não para confiná-los, mas para livrá-los da desgraça. Em São Paulo, é comum eles exigirem que empresas paguem a viagem de volta de migrantes contratados em seus Estados para o corte de cana.
A maioria - 3.117 - dos libertados em 2007 no país trabalhava no setor sucroalcooleiro, como a Folha informou em fevereiro passado.
Em Brasilândia (MS), na usina e na fazenda da Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool, 831 empregados indígenas foram descobertos em situação qualificada como degradante.
Neste ano, 55 funcionários de outra usina da CBAA foram descritos pelo Ministério do Trabalho como vítimas de servidão por dívida, o que configura trabalho escravo.
Ao contrário da maioria das autuações, concentradas nas regiões de expansão da fronteira agrícola no Norte e no Centro-Oeste do Brasil, esta aconteceu no Estado de São Paulo, em Icém.
A companhia, do grupo J. Pessoa, nega responsabilidade por problemas. Em seu site, afirma que "busca garantir sustentabilidade na produção e relações responsáveis no crescimento, visando sempre a melhoria e a qualidade de vida dos seus colaboradores e de seus familiares".
Empresas do grupo foram excluídas do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, um programa de organizações que se comprometem a não aceitar esse crime em sua cadeia produtiva.
O procurador do Trabalho Luís Henrique Rafael destacou em ação civil pública o que considera abismo entre os componentes contemporâneos e arcaicos do negócio da cana e seus derivados: "A tecnologia de ponta que se observa nas usinas contrasta com as "senzalas" nos canaviais, explicitando bem o verdadeiro apartheid, fruto da inescrupulosa equação de distribuição das rendas geradas pelo tal "petróleo verde'".
A Organização Internacional do Trabalho mantém no Brasil o Projeto de Combate ao Trabalho Escravo.
O procurador Mário Antônio Gomes coordena "inquérito-mãe" sobre o que chama de degradação do trabalho nos canaviais de São Paulo. Para ele, "o nível de educação mais baixo [dos cortadores] facilita a exploração".
O combate ao trabalho degradante é limitado pela escassez de recursos. Na região de Ribeirão Preto, há dois procuradores para acompanhar 39 usinas. É pouco, mas, graças (também) às ações de fiscalização, hoje está quase erradicado um fenômeno do passado, o trabalho infanto-juvenil no corte da cana no Estado.
 

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Dulce Miller

Ver adultos nessas condições de trabalho já é degradante...ainda bem que pelo menos o trabalho infanto-juvenil está sendo erradicado.

Fiquei imaginando a cena - cortando cana com uma luva cirúrgica.... cobrar por equipamentos de proteção que deveriam se de obrigatoriedade do empregador é o fim!
Aff...

Anônimo

Gente, isso é desumano demais!

Max Coutinho

Oi Juca,

Os números são aterradores! Tanta frescura no Ocidente, tanto protesto e ainda temos irmãos a serem tratados como escravos! Vergonhoso...

O Brasil tem de combater isto, tem de procurar tratar os trabalhadores rurais com respeito e, o governo tem de defender os seus direitos. Até porque um trabalhador saudável, feliz produz o dobro.

Bom artigo, como sempre.

Beijos

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