segunda-feira, 23 de junho de 2008

Custo de vida - parte 2

Fonte: FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação

Quer entender um pouco por que o custo de vida tem subido de forma tão assustadora nos últimos anos? Então reúna um pouco de paciência e leia a série de três artigos que aqui postarei seguidamente. Quer ir mais fundo ainda? Visite o site da FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.

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Como especuladores estão causando a alta do custo de vida - parte 2

Markus Dettmer, Frank Hornig, Armin Mahler, Christoph Pauly, Wolfgang Reuter, Janko Tietz

Fonte: Yoshikazu Tsuno/AFP - 16.jun.2008

Commodities: o setor que mais cresce no século 21

Ninguém sabe quão caro o petróleo estaria se não houvesse especulação, mas certamente estaria mais barato. E se estivesse mais barato, nós pagaríamos menos pela gasolina, combustível para aquecimento e água quente. Os alemães, como todo mundo, também teriam mais dinheiro disponível para cobrir o custo de vida e produtos de consumo, e mais e mais bilhões não seriam excluídos do ciclo econômico alemão.
Se o petróleo estivesse mais barato haveria menos inflação, e o Banco Central Europeu (BCE) não seria forçado a manter as taxas de juros tão elevadas quanto atualmente. Ele poderia reduzir os juros, como o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, anunciou no começo do mês. Taxas de juros mais baixas estimulariam a economia e conteriam a valorização excessiva do euro, que por sua vez beneficiaria a economia e teria um impacto positivo sobre o mercado de trabalho.
Em vez disso, a recuperação está em risco, assim como muitos empregos. A inflação, além de tornar os produtos mais caros, também redistribui a riqueza porque ela prejudica mais os pobres do que os ricos.
Mas como ninguém sabe quão mais barato o petróleo estaria se houvesse menos especulação, ninguém sabe quão significativo é o impacto da especulação. Que ele existe está claro, assim como o fato de que afeta a todos -todo cidadão e toda empresa.
Mas tudo isso é relativamente inofensivo em comparação à especulação em torno dos alimentos. Em vez de afetar apenas o custo de vida, a especulação de commodities alimentares pode ser uma questão de vida ou morte. Quando os preços dos alimentos sobem, os pobres não conseguem mais comprar alimentos e são forçados a passar fome.
Por este motivo, também há um aspecto da especulação que muitos, especialmente aqueles que obterão um lucro rápido, optam por ignorar. Ao fazê-lo, eles também ignoram os resultados de suas ações.
A globalização, uma história de sucesso para muitos até agora, estagnou. Após ajudar inicialmente centenas de milhões de pessoas a escaparem da pobreza, ela agora está exibindo seu lado feio. À medida que os lucros crescem em um lado do mundo, a fome está novamente em ascensão do outro.

É uma história completamente diferente nas telas de computador dos analistas de Wall Street, onde commodities são o setor que mais cresce no século 21. Vastas somas de dinheiro estão sendo investidas nos mercados de commodities alimentares e de energia. Estes mercados, que até agora eram relativamente equilibrados e claros, atuando segundo os mesmos princípios por décadas, estão repentinamente sendo tomados por investidores financeiros.
No final de 2003, eles investiram apenas US$ 13 bilhões no setor de commodities alimentares. Em março de 2008, este número saltou para US$ 260 bilhões, um aumento de 1.900%.
No ano passado, novos investimentos nos mercados de commodities somaram cerca de US$ 100 milhões por dia. No início deste ano, o que era um fluxo constante se transformou em uma torrente, com mais de US$ 1 bilhão inundando o mercado a cada dia. Fundos hedge, bancos, fundos de pensão, fundos de investimento -em outras palavras, grupos que representam milhões de pequenos investidores- estão envolvidos. A princípio eles investiram seu dinheiro no mercado pontocom, depois em imóveis, e agora nos mercados de agricultura e energia que são a nova oportunidade de investimento.
Do ponto de vista da análise de investimento fundamental, há bons motivos para continuar apostando em maiores aumentos nos preços das commodities. Os recursos estão ficando mais escassos, enquanto a demanda global por energia, recursos minerais como cobre e carvão, e produtos agrícolas como trigo e milho continuam aumentando. Os traders nas bolsas de commodities o chamam de "superciclo" -uma tendência que prosseguirá por um longo tempo.
O problema é que as commodities não se comportam como ações ou hipotecas, os últimos dois queridinhos da comunidade de investimento. Freqüentemente os muitos administradores de fundos não podem (ou preferem não) entender as regras específicas de seu brinquedo mais recente além do nível mais superficial. Eles negociam com base em pequenas quantidades de informação que não significam nada até estarem em posse de uma delas.
Às vezes basta uma chuva pesada em Iowa para provocar uma corrida no mercado de milho. Uma safra ruim poderia reduzir a oferta. Oferta menor eleva os preços -e propicia retornos maiores para os traders de commodities.
No caso do petróleo, um dia de neblina no porto do Houston é suficiente para provocar pânico no mercado, porque significa que menos petroleiros poderão descarregar suas cargas até a neblina passar. Quando um oleoduto rompe no Canadá, "o preço sobe imediatamente US$ 4", diz Fadel Gheit, um analista de petróleo da Oppenheimer, em Nova York, com 20 anos de experiência no setor. Gheit, também um engenheiro, sabe como os oleodutos são reparados. "Não é um cirurgia cardíaca. É um trabalho de encanador, coisa fácil, concluído em três dias", ele diz. "Os traders usam toda desculpa disponível para aumentar os preços."
Quando era jovem, Gheit ainda analisava os preços do petróleo a US$ 4 o barril. O relacionamento ritualizado entre volume de produção e consumo, demanda que vem crescendo há anos na China, instabilidade no Oriente Médio ou na Nigéria, ameaça de tempo frio -nada disso é suficiente para explicar a atual explosão dos preços, diz Gheit. Ele está convencido de que os especuladores são totalmente responsáveis. "É pura histeria", ele diz.
Outros analistas concordam. "O mercado está reagindo ao fato de podermos não ter petróleo suficiente no mercado daqui 13 anos -como é que é?", disse Edward Morse, economista chefe para energia do banco de investimento Lehman Brothers. "Você nunca reconhece que é uma bolha até a bolha estourar", ele diz.
Há abundância de sinais de comportamento incomum por todos os mercados de commodities. Veja o algodão, por exemplo. No final de fevereiro, o preço de contratos futuros de algodão saltou 50% em duas semanas. Mas os produtores de algodão ainda nem conseguiram vender metade de sua safra do ano anterior. Desde 1966 os depósitos nos Estados Unidos não ficavam tão cheios. Na verdade, todos os sinais apontam para uma queda de preço.
Em uma declaração ao Congresso americano, o Associação Americana dos Transportadores de Algodão atribui a este desdobramento "irracional" a "alta dos preços causada pelos especuladores". Segundo o grupo setorial, os processadores de algodão nunca pagariam os preços fantasiosos que são cotados nas bolsas de commodities.
Dois mundos se desenvolveram. Um é o mundo dos traders dos fundos hedge e empresas de investimento, e o outro é dos produtores rurais, mercadores de grãos e operadores de minas. Eles podem lidar com as mesmas commodities -barris de petróleo ou fardos de algodão, por exemplo- mas para alguns estes são apenas conceitos abstratos, enquanto outros os vêem como produtos reais.
Os problemas surgem quando estes dois mundos se cruzam, o mundo da fantasia dos especuladores e as economias reais dos processadores de algodão e torrefadores de café. Isso leva a distorções, como as que atualmente afetam o mercado de algodão.
A especulação não é necessariamente ruim. Quando um mercado vê bilhões em novos investimentos, isto pode estimular o comércio, o que beneficia a todos, melhora a eficiência e provoca uma onda de modernização.
Mas há algum tempo, as apostas em massa realizadas pelos novos investidores financeiros permitiram que as bolsas de commodities, especialmente as de Chicago e Nova York, funcionassem como perfeitos cassinos. Tradicionalmente, as bolsas permitem que produtores rurais e atacadistas de grãos vendam antecipadamente as colheitas usando os chamados contratos futuros. Nestes, o volume, preço e data de entrega de uma determinada commodity são estipulados antecipadamente, mesmo quando o grão ainda está balançando ao vento nos campos dos produtores rurais.
Para os produtores rurais e seus clientes, os contratos futuros são uma forma de se protegerem contra condições climáticas adversas. No caso de metais e energia, os contratos futuros ajudam as partes a compensarem flutuações excessivas de preço e controlar a entrega de seu produto.
É precisamente este mecanismo que os especuladores usam em seu benefício. Eles compram contratos para a entrega de commodities como trigo e petróleo quando os preços estão baixos, apostando assim os bilhões que investiram na alta dos preços. Traders tradicionais de commodities têm pouca chance de resistir com sucesso a tamanha especulação. Os especuladores, devido ao seu volume, agora controlam os mercados. Em Chicago, lar da maior bolsa de commodities do mundo, o volume de contratos futuros de grãos sendo negociados já é 30 vezes maior que a produção anual de grãos nos Estados Unidos. Esta tendência dificilmente será reduzida tão cedo. Neste ano, corretores em Chicago já deram entrada a 20% mais contratos do que no mesmo período do ano passado.
Os preços do trigo, arroz ou carne de porco sempre foram negociados entre produtores rurais, distribuidores e seus clientes. A mesma coisa costumava ser verdadeira nas bolsas de commodities. No final, as transações futuras levavam a uma entrega de fato de um produto. No jargão do setor, isto é chamado de "real trading".
Mas esses dias são coisa do passado. O real trading, diz Hubert Gabrisch, do Instituto para Pesquisa Econômica de Halle, cidade no leste da Alemanha, "se tornou a exceção nas bolsas". No caso do trigo, por exemplo, apenas 3% do volume negociado de fato troca de mãos. Os preços agora são determinados pelos especuladores, malabaristas financeiros sem nenhum interesse em ter algum contato físico com a entrega das vastas quantidades de grãos que possuem.
Um bushel de trigo se tornou um número abstrato nos escritórios de fundos hedge de Nova York, um número perfeitamente adequado para fins de aposta. Na maioria dos casos, este número tem pouco a ver com o valor real do alimento básico por trás.
A especulação é mencionada pela primeira vez no Velho Testamento. O soberano do Egito, que sonhou que sete safras abundantes seriam seguidas por sete safras ruins, encorajou a prática. Para evitar este desastre, ele criou o que poderia ser visto como o primeiro fundo governamental da história do mundo, no qual estocou grãos em grande escala, portanto provocando alta dos preços.
Um arquétipo clássico de todos os pânicos futuros é mania das tulipas holandesas do século 17. Em 1636, no auge da bolha, os bulbos mais cobiçados, como as espécies Viceroy e Van der Eyck, tinham preços que equivaliam aos de uma casa inteira. Todas as classes sociais sucumbiram à histeria. Pinturas contemporâneas retratam açougueiros, guardas, agentes mercantes, estudantes e limpadores de chaminés negociando bulbos em tavernas.
Mas então a fé dos holandeses em um futuro dourado permanente para a tulipa ruiu. No leilão de tulipas na cidade de Haarlem, em 4 de fevereiro de 1637, nenhum dedo foi levantado quando o primeiro bulbo foi leiloado. O leiloeiro baixou o preço, mas ainda assim ninguém se moveu. Isto levou a uma ampla venda de bulbos, que fez com que os preços despencassem.
O país mergulhou em uma recessão profunda. Como freqüentemente ocorre após uma especulação exagerada, o governo teve que intervir e proibiu o uso de contratos futuros, que já eram comuns na época. Pregadores castigaram os especuladores em seus púlpitos, chamando o caso de "punição de Deus pela ganância blasfema e estupidez das massas".
Especulação fracassada, seguida por dificuldades e sofrimento, estão presentes desde que os seres humanos começaram a praticar o comércio. E sempre foi a combinação fatal de liquidez excessiva e instinto de rebanho dos especuladores que causa a alta dos mercados e depois sua explosão e colapso.
Parece que toda geração tem que lidar com sua própria especulação, deve experimentar pessoalmente quanto o otimismo ilimitado pode se transformar em desespero e quantas oportunidades certas de investimento podem se transformar em ações sem valor praticamente da noite para o dia. As bolhas especulativas do passado incluíram a falência da Companhia dos Mares do Sul em 1720, a bolha ferroviária britânica em 1846, a alta das ações que antecedeu a crise econômica mundial de 1929 e a bolha pontocom do final dos anos 90. A simples estupidez de uma bolha nunca é aparente até após seu estouro.
Os especuladores mais ousados ou são ridicularizados ou admirados, dependendo de quão bem se saem. Em 1992, a decisão bem-sucedida de George Soros de apostar bilhões contra a libra britânica lançou sua reputação de ser um apostador de sangue gelado. Outros foram parar na prisão, como Nick Leeson, um jovem corretor de ações britânico que apostou mais de 800 milhões de libras em meados dos anos 90. Quando não conseguiu mais esconder suas perdas, ele deixou um breve bilhete em sua mesa ("Sinto muito") e fugiu. Suas ações levaram ao colapso de seu empregador, o Barings, o banco de investimento mais antigo da Inglaterra.

Fonte: UOL Mídia Global



 

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