segunda-feira, 23 de junho de 2008

Custo de vida - parte 1

Fonte: FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação

Quer entender um pouco por que o custo de vida tem subido de forma tão assustadora nos últimos anos? Então reúna um pouco de paciência e leia a série de três artigos que aqui postarei seguidamente. Quer ir mais fundo ainda? Visite o site da FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.

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Como especuladores estão causando a alta do custo de vida - parte 1

Após investir em ações de alta tecnologia e financiamento de imóveis por anos, legiões de especuladores agora descobriram commodities como petróleo e gás, trigo e arroz. Seus bilhões estão pressionando os preços a níveis estratosféricos - com sérias conseqüências para a qualidade de vida das pessoas

Markus Dettmer, Frank Hornig, Armin Mahler, Christoph Pauly, Wolfgang Reuter, Janko Tietz

Fonte: Yoshikazu Tsuno/AFP - 9.jun.2008

Daniel Jaeggi está sentado à uma mesa de conferência em um prédio de escritórios na Place du Molard, em Genebra, a apenas poucos passos de distância do lago. É 13h45 de uma sexta-feira recente, e o preço de um barril de petróleo do tipo Brent é de US$ 129,50.
Jaeggi, um suíço de 47 anos, é um trader de petróleo. Ele e seu sócio, Marco Dunand, são donos de uma empresa chamada Mercuria. Ela é uma das 10 maiores empresas de trading do mundo. Em seus escritórios em Genebra, aproximadamente 110 funcionários analisam os mercados, lidam com contratos e monitoram as rotas dos petroleiros. No ano passado, a Mercuria negociou produtos de petróleo em um valor total de quase US$ 30 bilhões. Entre eles estavam milhões de barris de petróleo destinados à China.
"Por décadas, o petróleo era barato demais. Até 1999, um barril custava menos de US$ 10", diz Jaeggi. É claro, economias em ascensão como a da China, Índia, Rússia e Brasil estimularam a demanda, elevando o preço do petróleo. Mas o que realmente mudou o mercado foram os grandes fundos de pensão e investimento.
Em busca de retornos seguros e de longo prazo, grandes investidores voltaram sua atenção para os índices de commodities, investimentos que prometiam retornos substancialmente maiores do que o investimento no mercado de ações. Quanto mais os fundos investiam, mais os preços subiam, especialmente devido ao mercado para contratos futuros especulativos de commodities ser muito pequeno. Mesmo pequenas mudanças nos portfólios de grandes fundos mútuos podem provocar rapidamente a alta do preço do petróleo.
Às 15h15, o preço de um barril de petróleo do tipo Brent está a US$ 131. Ao longo do dia, os traders da Mercuria em Genebra negociaram até 4 milhões de barris de petróleo "real" e cerca de 10 vezes mais em chamados swaps -em outras palavras, petróleo que existe apenas em papel- para diminuir o risco.
"O preço do petróleo subiu cerca de US$ 10 nos últimos dois dias", diz Jaeggi, acrescentando que no passado seriam necessários anos para a ocorrência do mesmo aumento de preço no mercado. Mais tarde naquela sexta-feira, o petróleo cru americano atingiu o preço recorde de mais de US$ 139, mais de US$ 11, o maior aumento em um único dia.

Em agosto passado, o preço do petróleo era de US$ 70 o barril, no início de março ele superou a marca de US$ 100, e então atingiu um novo recorde em 6 de junho. Qual será o próximo?
Ernst Tanner está fazendo a mesma pergunta a si mesmo, mas ele está pensando em cacau, não em petróleo. Tanner é presidente-executivo da fabricante suíça de chocolates finos Lindt & Sprüngli. Ele teve que ficar atento devido ao aumento de 40% no preço dos grãos de cacau desde o início de 2007, apesar da oferta abundante. "Não tem mais nada a ver com oferta e demanda", diz Tanner.
Os aumentos de preço que afetaram o petróleo e o cacau se aplicam a quase todas as outras commodities. Uma saca de arroz agora custa quase três vezes mais do que em janeiro, o trigo, milho e soja já atingiram preços recordes neste ano e ouro está recentemente em uma montanha-russa desenfreada.
Dificilmente alguém realmente precisaria de ouro, mas o petróleo é o lubrificante de nossa economia. À medida que vai se tornando mais caro, o motor da economia começa a parar. E o trigo e o arroz, como alimentos básicos, são realmente essenciais à vida humana. À medida que se tornam mais e mais caros, os pobres são forçados a comer menos ou, em alguns casos, a passar fome.
Centenas de milhões de consumidores em todo o mundo agora se perguntam o que acontecerá. Por semanas, os altos preços dos alimentos levaram a inquietação em muitos países. Manifestantes na Indonésia e na Tailândia, por exemplo, exigiram "mais dinheiro para operários e agricultores". Em abril, os cidadãos no Haiti derrubaram o primeiro-ministro do cargo por causa do preço dos alimentos, e a população de Burkina Fasso paralisou o país inteiro por dias com uma greve geral. Na Somália, onde a situação é particularmente extrema, soldados dispararam contra uma multidão de dezenas de milhares de somalis furiosos, em um esforço para colocar a situação sob controle. Os preços do arroz na Somália dobraram em um espaço de poucas semanas.
O preço da farinha de milho, um ingrediente chave de tortilhas e conseqüentemente um item básico no México, também teve alta estratosférica. Em um esforço para aliviar a situação, o presidente do México, Felipe Calderón, ordenou que os 26 milhões de cidadãos mais pobres do país recebessem imediatamente um auxílio mensal de cerca de US$ 11.
Muitos países europeus, incluindo a França, Itália, Reino Unido e Espanha, viram protestos nas últimas semanas por parte daqueles mais afetados pelos altos preços da gasolina. Enquanto os preços da gasolina consomem uma fatia cada vez maior da suas rendas, agricultores, pescadores, taxistas e caminhoneiros estão cada vez mais preocupados em conseguir arcar com suas despesas.
Ao mesmo tempo, o custo de vida continua subindo. Na sexta-feira (6 de junho), o banco central alemão, o Bundesbank, aumentou drasticamente seu prognóstico de inflação para o próximo ano, de 2,3% para 3%.
Os custos da energia estão provando ser o maior fardo para os cidadãos comuns. Um trabalhador que viaja entre as cidades de Hamburgo e Lübeck, no norte da Alemanha, por exemplo, pode esperar gastar várias centenas de euros a mais em gasolina neste ano. A despesa média mensal em energia de um lar típico na Alemanha aumentou em 100 euros desde 2004.
Mas isto é apenas o começo. Já está claro que o gás natural se tornará significativamente mais caro ao longo do ano, porque na Alemanha o preço do gás está casado ao preço do petróleo. Os consumidores já devem se preparar -e possivelmente poupar dinheiro- para os aumentos elevados nos custos de aquecimento no final deste ano.
O custo dos alimentos também está em alta. Massas estão 26% mais caras do que há um ano, enquanto o preço de alguns derivados de leite aumentou 47%.
E o que acontece quando os preços da energia são plenamente repassados para as tarifas aéreas? A resposta é óbvia: mais e mais alemães pensarão duas vezes sobre poderem arcar com as despesas de suas férias habituais.
O padrão de vida de muitas pessoas já está em risco, e talvez a prosperidade da nação como um todo em breve possa ser ameaçada.
A pergunta é se os aumentos de preços são inevitáveis, porque a demanda é maior do que a oferta, ou se outras forças, menos óbvias, estão em ação: especuladores que estão tirando proveito da crescente escassez de recursos para ganhar muito dinheiro rapidamente.
Isto envolve mais do que apenas economia. Também é uma questão ética e altamente moral. Muito depende da resposta, incluindo a credibilidade de nosso sistema econômico.
Talvez este seja o motivo para haver tantas pessoas tentando desarmar a questão e acalmar os ânimos, aquelas que admitem que os especuladores estão em ação nos mercados de commodities, mas que também insistem que eles têm pouca influência sobre os preços. E se eles têm uma influência, dizem essas pessoas, só pode ser uma coisa boa, porque forçará a humanidade a se preparar mais rapidamente para o inevitável: a crescente escassez de recursos.
"Não se trata de procurar quem culpar", disse recentemente Hank Paulson, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos. "Se trata de oferta e demanda". Segundo Paulson, "os especuladores tiveram pouco impacto".
Mas as pessoas que são afetadas pela alta dos preços das commodities vêem de forma diferente. "A enxurrada de dinheiro de Wall Street e dos fundos hedge está pressionando a alta dos preços -e os efeitos são potencialmente destrutivos", diz Tom Buis, presidente da União Nacional dos Agricultores dos Estados Unidos.
À medida que os preços se afastam cada vez mais da realidade, outro risco começa a surgir: o desenvolvimento de outra bolha semelhante à alimentada pelos preços inflacionados das ações na chamada Nova Economia. Um estouro seria inevitável.
Ela seria uma boa notícia para os motoristas na Alemanha e pessoas que passam fome na África. Mas poderia lançar os mercados financeiros novamente em turbulência, causando problemas para os fundos hedge e talvez para alguns poucos bancos.
Independentes dos preços subirem ou descerem, a especulação resulta em exageros absurdos, com conseqüências reais para a economia.
Novamente, são os excessos dos mercados financeiros modernos que estão causando convulsões na economia mundial. De fato, o presidente da Alemanha, Horst Köhler, pode estar certo ao ter dito recentemente, em uma entrevista para a revista alemã "Stern", que os mercados financeiros se transformaram em um "monstro" que precisa ser domado.
"O setor financeiro se desligou da economia real", diz Heinrich Haasis, presidente da Federação Alemã das Caixas Econômicas.
Isto está tanto correto quanto incorreto.
Está correto porque as transações realizadas neste setor não tem nada a ver com os bens reais. O setor lida com expectativas, e nas expectativas das expectativas, freqüentemente com dinheiro emprestado. E também está correto porque é um setor no qual se ganha quantidades obscenas de dinheiro.
Mas a declaração de Haasis está errada porque estas transações podem de fato acabar afetando a economia real. Elas podem aquecê-la, como nos anos do boom recente, ou podem desacelerá-la, como atualmente. Elas também podem arrastá-la ao abismo, como muitos ainda acreditam ser possível após a mais recente crise de crédito.
Essa crise abalou os mercados financeiros por meses. Os bancos centrais foram forçados a injetar centenas de bilhões na economia global para lhe fornecer liquidez e impedir um colapso. Os antes impopulares fundos soberanos dos Estados do Oriente Médio e da Ásia intervieram, usando seu dinheiro para escorar instituições veneráveis como o Citigroup ou o suíço UBS.
É possível que o pior já tenha passado, apesar de que ainda demorará até que os resultados se tornem tangíveis. Mas também é possível que outros mercados, como o de crédito ao consumidor, possam ser arrastados para a mesma confusão em breve.
Apesar de tudo isso, ainda há bastante capital especulativo à procura de investimentos de alta rentabilidade. Enquanto as hipotecas subprime eram a última moda até recentemente, a bola da vez são os investimentos em ouro e estanho, trigo e soja. Tudo isso significa que a próxima crise já está ganhando forma antes que a última tenha passado -uma bolha seguindo no encalço de uma bolha.
Eles todos estão de volta à mesa, os fundos hedge e grandes investidores, aqueles que colocarão suas apostas em tudo que prometa gerar um lucro. Mas eles não são os únicos. Os fundos de pensão americanos, como o fundo que administra as pensões de aposentadoria para os professores da Califórnia, também entraram na briga. E há os inúmeros pequenos investidores que colocam seu dinheiro em fundos de commodities, em fundos de índices que simulam os preços das commodities, ou em certificados, estes instrumentos modernos de investimento que até mesmo permitem que investidores comuns fiquem com uma parte da ação.
Eles todos especulam que os preços das commodities continuarão subindo, em parte porque a demanda está crescendo enquanto a oferta é limitada. O petróleo é um desses casos. Sem ele a economia mundial paralisaria e as economias emergentes da Ásia estão constantemente exigindo mais. E há os alimentos. Na China, por exemplo, mais pessoas agora podem comprar carne. Mas são necessários três quilos de ração para produzir um quilo de carne de porco. Ao mesmo tempo, muitos campos agora são dedicados ao cultivo de plantas para produção de biocombustível.
A tendência é clara, mas oferece apenas uma explicação parcial para o aumento acentuado nos preços. Os hábitos de vida não mudam tão rapidamente e, conseqüentemente, nem a demanda. A única coisa que muda tão rapidamente é a expectativa, que continua pressionando a alta dos preços.

Fonte: UOL Mídia Global



 

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