sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Vai um remedinho aí?

Mais marketing que saúde

 
Livro conta como fabricantes de medicamentos “criam” doenças, patrocinam pesquisas e fazem lobby milionário para vender cada vez mais remédios aos consumidores americanos
 
Por Cristiane Correa
 

O suíço Daniel Vasella, presidente da Novartis, é um dos expoentes da indústria farmacêutica mundial. Médico de formação, ele decidiu abandonar o consultório em 1988, aos 35 anos de idade, para trabalhar na área de vendas da fabricante de medicamentos americana Sandoz. Vasella fez, então, uma carreira rápida e bem-sucedida e, em 1996, assumiu o comando da Novartis, empresa resultante da fusão da Sandoz com a Ciba-Geigy e uma das cinco maiores do mundo no setor. Anos atrás, durante uma entrevista, Vasella foi perguntado sobre como sua empresa conseguia criar os medicamentos de sucesso exigidos pelos investidores. Sua resposta foi tão direta quanto surpreendente. “Você cria um desejo”, afirmou ele, como se estivesse falando de um produto de consumo como qualquer outro.

Quem fez a pergunta a Vasella foi a jornalista Melody Petersen, ex-repórter do The New York Times, especializada na cobertura da indústria farmacêutica. Depois de vários anos nesse privilegiado posto de observação, Melody decidiu revelar os meandros do bilionário mercado de saúde. O resultado está no recém-lançado Our Daily Meds — How the Pharmaceutical Companies Transformed Themselves into Slick Marketing Machines and Hooked the Nation on Prescription Drugs (numa tradução livre, “Os remédios nossos de cada dia: como as empresas farmacêuticas se transformaram em máquinas de marketing escorregadias e viciaram a nação em drogas prescritas”). Para Melody, os tempos quase românticos em que a indústria farmacêutica era movida por cientistas e médicos interessados em pesquisar a cura de doenças graves ficaram inexoravelmente para trás. Agora, o setor — fundamental para o bem-estar e para a longevidade — é dominado por marqueteiros. “Vender remédios, e não inventá-los, tornou-se a obsessão”, diz ela.

As empresas parecem estar triunfando nessa nova missão. Em 2005, os americanos gastaram 250 bilhões de dólares em remédios vendidos sob prescrição médica — mais do que consumiram com fast food ou gasolina, por exemplo. Se comparado a outros países, esse volume é ainda mais impressionante. Os Estados Unidos gastam mais com remédios que Japão, Alemanha, França, Itália, Espanha, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, Canadá, México, Brasil e Argentina — juntos. Em 2006, um americano tomou, em média, 12 remédios prescritos por médicos — em 1994, a média foi oito. Entre a população idosa, o índice chega a 30 drogas anualmente. Graças a essa epidemia, entre 1995 e 2002, a indústria farmacêutica foi o setor mais lucrativo da economia americana. Em 2004, segundo dados da revista Fortune, a cada dólar vendido pelas farmacêuticas, 16 centavos se transformavam em lucro — ante a média de 5 centavos dos outros setores.

Para alcançar esse resultado fabuloso, é preciso investir muito dinheiro. Uma das mais importantes frentes de batalha das companhias farmacêuticas é travada em Washington. Entre 1998 e 2004, a indústria farmacêutica gastou mais em lobby do que qualquer outro setor. Em 2004, o número de lobistas trabalhando para as farmacêuticas instaladas nos Estados Unidos somava o dobro de representantes do Congresso americano. Para a autora do livro, o efeito desse corpo-a-corpo é imediato. Os Estados Unidos são o único país desenvolvido que não controla o preço dos remédios vendidos sob prescrição. Além disso, são um dos raros países no mundo que permitem propaganda de remédios prescritos para consumidores (a Nova Zelândia é a outra exceção).

Com o caminho livre, as empresas investem fortunas para propagandear seus produtos. Segundo Melody, cerca de 25% do preço de um medicamento prescrito corresponde a gastos com marketing — a soma é maior que os investimentos em pesquisa e desenvolvimento, por exemplo. Um dos maiores exemplos da força dessa máquina foi o lançamento do Detrol, no final dos anos 90. Fabricado pela Pharmacia (que viria a ser comprada pela Pfizer), o Detrol surgiu para curar uma doença até então desconhecida dos americanos e batizada pelo fabricante de “bexiga hiperativa”. Uma das preocupações iniciais dos executivos da Pharmacia foi que a doença não fosse confundida com a já conhecida incontinência — um mal que, para muitos médicos, não poderia ser tratado com medicamentos e que faria parte do processo natural de envelhecimento. Para isso, o primeiro passo foi arregimentar médicos. A Pharmacia organizou dois simpósios em Londres, em 1997 e em 1999, e bancou praticamente todas as despesas dos participantes. Alguns doutores chegaram a entrar na folha de pagamentos da empresa, como consultores ou palestrantes — prática amplamente utilizada pela indústria. Nesses dois encontros, os médicos definiram os sintomas do novo mal (um deles é ir ao banheiro mais de oito vezes em 24 horas). Uma vez criada a doença, era hora de torná-la conhecida do grande público. Além do boca-a-boca dos médicos, a Pharmacia contou com uma campanha publicitária que incluiu anúncios em revistas de circulação nacional e até a contratação da atriz Debbie Reynolds. A protagonista do filme Dançando na Chuva fazia questão de declarar em entrevistas que depois que começou a tomar o Detrol sua vida na estrada — ela ainda fazia turnês pelo país — tinha ficado muito mais fácil. (Debbie só não falava que alguns pacientes medicados com Detrol começaram a ter alucinações...)

Usar a imagem de gente famosa para promover remédios prescritos, aliás, tornou-se um dos expedientes mais usados pela indústria. A Bristol-Myers Squibb, por exemplo, contratou o ciclista Lance Armstrong. Vítima de câncer aos 25 anos de idade, ele venceu a doença e sagrou-se o maior campeão de todos os tempos da Volta da França, a prova ciclística mais tradicional do planeta. A Bristol tornou-se uma das principais patrocinadoras da Live Strong, ONG que Armstrong mantém para ajudar vítimas da doença — e o atleta começou a creditar sua recuperação a um remédio do fabricante. Depois de uma das vitórias do ciclista, a farmacêutica veiculou um anúncio em que dizia: “Este milagre foi trazido a você pela Bristol-Myers Squibb”. A verdade, porém, não era exatamente essa. O tal milagre fora resultado de uma pesquisa da Michigan State University, feita com dinheiro do governo — e não uma descoberta da Bristol. À empresa farmacêutica coube apenas licenciar o produto e colocá-lo à venda.

O efeito colateral dessa avalanche de medicamentos é perturbador. Especialistas estimam que 100 000 americanos morram todos os anos por problemas decorrentes do uso de remédios. Feitas as contas, são cerca de 270 vítimas diariamente — o dobro das mortes causadas por acidentes com automóveis. “Os remédios com prescrição matam mais americanos que o diabetes ou o mal de Alzheimer”, diz Melody. Para piorar, mesmo entupidos de remédios, os americanos não estão conseguindo aumentar sua expectativa de vida. Segundo a autora, em 1980 uma americana de 65 anos de idade tinha expectativa de vida maior do que quase todas as mulheres nascidas em outros países do mundo. Em 2002, numa avaliação da longevidade da população da qual participaram 30 países, as senhoras americanas ficaram com uma modesta 17a posição. A expectativa de vida dos homens nos Estados Unidos também caiu — um americano de 65 anos corre hoje o risco de morrer mais cedo que um mexicano da mesma idade.

Embora o livro tenha um quê de teoria conspiratória (lembra o estilo de País Fast Food, publicado pelo jornalista Eric Schlosser em 2001, que tinha como alvo a indústria de alimentação rápida dos Estados Unidos), parte da crítica feita por Melody começa a ser, de algum modo, reconhecida. Em junho, algumas das maiores companhias americanas, como Merck e Pfizer, concordaram em fazer uma espécie de moratória e suspender por seis meses a veiculação de anúncios de novos medicamentos vendidos sob prescrição médica. Além disso, elas vão reavaliar a participação de médicos em suas propagandas. Pode ser o começo de sua reabilitação.

Fonte: Portal Exame.

14 Recado(s). Após o sinal, deixe o seu!:

Unknown

A culpa é do capitalismo!
Sério.

Juca

Com poucas palavras, disse tudo, Nana!

Beijos!

joão m. jacinto & poemas

Estimado Juca!

A civilização está doente, envenenada de tanta cura!

Abraços poema,

joão m. jacinto

Nando Damázio

Impressionante o número de pessoas que morrem por causa disso!

Por mais que o livro tem um teor de teoria da conspiração, sem dúvida ele serve como um alerta, principalmente para os americanos, que são consumistas inconseqüentes... Aliás, um alerta para qualquer hipocondríaco desvairado.

Mas é isso mesmo que vocês disseram aí: são as mazelas do capitalismo!

Nando Damázio

Aff...
Desculpe o erro de ortografia.

Abraço, Juca, este post foi muito informativo, eu não fazia a menor idéia de que isso existia!

Juca

J.J., você coloca muito bem tal contradição, que por um lado temos os medicamentos para nos curar, mas ao mesmo tempo estamos sendo mortos pelo excesso de zêlo!

Abração, meu prezado amigo!

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Nando, também fiquei chocado com esses números. Precisamos de uns chacoalhões vez ou outra para voltar à realidade. Tomara que o livro sirva de alerta para consumidores compulsivos de medicamentos.

Abração!

Aparecido José (Crazyseawolf)

Existem histórias de que as indústrias farmacêuticas criam doenças e depois oferecem a cura.

Outras dizem que a cura para certas doenças já existem, só não colocam para a venda porque elas iriam a falência.

É teoria da Conspiração? Sim, mas nada me tira da cabeça de que a aids foi criada em laboratório e muitas empresas vem faturando com a doença.

Juca

Cidão, com tantos casos sendo apresentados, fica difícil achar que não há um fundo de verdade neles. Essa história do HIV também ainda não enguli até hoje. Muita coisa podre foi escondida, como sempre!!

Abração!

Anônimo

interessante ponto de vista nao eh verdade/
otima indicacao..vlw irmao

Juca

Sim, Renan, muito interessante.

Abraços!

Urbano Leonel Sant' Anna

Oi, Juca!

Já faz algum tempo que estou querendo comentar este assunto que estás trazendo à baila.

Como é que um cara destes, médico por formação, troca a assistência aos pacientes por um emprego de vendedor de remédios? “Você cria um desejo”, como se estivesse falando de um produto de consumo como qualquer outro!!?? Parece brincadeira! Claro que, pensando deste jeito, só poderia ter tido uma carreira rápida e bem-sucedida. Só o que ele parece não ter tido foram problemas com a consciência... Foi direto do lado luminoso para o lado negro da força. Vendeu a alma ao diabo este Darth Vader da indústria farmacêutica!

Vejam que na nação mais poderosa da face da terra, apesar de se dispor de acesso irrestrito a todas as informações necessárias, apesar da tão propalada liberdade, apesar das tão invejadas oportunidades, o povo é bem burrinho, não!? Que outra explicação alguém me daria para estas cifras monstruosas de consumo de fármacos (250 bilhões de dólares em remédios vendidos sob prescrição médica)? Sem contar o que é vendido sem prescrição... Não podemos esquecer que os Estados Unidos são o país das aspirinas vendidas em grandes vidros nos supermercados e lojas de conveniência. E as vitaminas? Eles são também o país das vitaminas. Se um dia se acabar toda a matéria prima necessária para fazer vitaminas industrializadas, durante um bom tempo, só vai ser preciso recolher a urina dos norte-americanos e processar para reciclar as vitaminas! Já imaginaram se estes ditos medicamentos mais corriqueiros fossem computados também? De que tamanho seriam estas cifras?

Se, como diz aquela máxima, cada povo tem o governo que merece, já está mais do que explicado por que hoje o senhor Bush está no seu segundo mandato... Só resta esperar que esta epidemia de mau uso dos medicamentos "sob prescrição médica" (vejam que os principais cúmplices são os médicos!) não se espalhe da mesma maneira pelos países vizinhos como se espalhou pelos Estados Unidos.

Um grande abraço, Juca! Texto muito bem escolhido!

Urbano

Juca

Urbano, coincidentemente, falávamos dias atrás justamente sobre o Juramento de Hipócrates a que todos os médicos fazem quando assumem a profissão, pois tal juramento fala da ética e respeito aos pacientes. O assunto surgiu exatamente porque você estava um pouco desiludido com a forma com que alguns médicos atuam: o materialismo em primeiro lugar!

Quanto ao referido juramento, veja este texto do Dráuzio Varella: O juramento de Hipócrates. Achei bem interessante!

Esta colocação que fizestes sobre o consumismo desenfreado da maior nação do mundo - com a ajuda do 'marketing da vida saudável' por trás - contribui enormemente com meu post. Afinal, é uma opinião de alguém que atua há muitos anos na área, é a opinião de um médico. Obrigado!

Receba um baita QC! :-)

Dulce Miller

Juca, tá tudo bem, viu? Só tô muito cansada e hoje tá fogo aqui no trabalho =/

Talvez nem nos falemos hoje!

Beijão

Juca

Oi, Duzita!

Fica tranqüila! Depois nos falamos! Cuide-se!

Beijos! :-)

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