03/10/2007
Os gays do país de Ahmadinejad relatam a dureza de viver em um regime que nega sua existência e mantém a pena de morte para os "desviados"
Ángeles Espinosa
Em Teerã
"Então eu não existo?", exclama incrédulo M., um gay de Teerã diante da afirmação de que "no Irã não temos homossexuais" feita pelo presidente Mahmud Ahmadinejad na Universidade Columbia, nos EUA, na última segunda-feira. "O que ele deveria fazer é informar-se antes de falar, para não dizer besteiras como sobre o Holocausto", acrescenta Taha, um dos poucos gays iranianos que aceitam falar com este jornal. A discrição é a norma de sobrevivência em um Estado cujo código penal estabelece a pena de morte para quem mantiver relações homossexuais. Algo que também acontece em países aliados dos EUA, como Paquistão, Arábia Saudita ou Iêmen.
"Ahmadinejad só precisa dar uma volta em qualquer tarde ou noite pelo parque Daneshju para descobrir que em seu país há, sim, homossexuais", sugere um estudante universitário. O Daneshju é um dos típicos lugares de encontros gays de Teerã. Talvez o mais democrático. Diferentemente do centro comercial Jam-e Jam, onde o ambiente elegante faz que suas camisetas justas e suas sobrancelhas depiladas passem despercebidas, no parque confluem rapazes tanto do norte rico como do sul mais modesto. A menos que algum se mostre especialmente carinhoso, a polícia não costuma intervir.
Como no caso dos heterossexuais, a república islâmica considera imoral qualquer demonstração pública de afeto. De acordo com a moral institucionalizada pela revolução islâmica de 1979, toda relação fora do casamento heterossexual é ilícita e punível.
"Como homossexuais, não temos muitos problemas com as autoridades", afirma Taha (nome fictício). Esse jovem de 21 anos, que dá aulas em uma academia em Arak, a populosa cidade industrial onde o Irã está construindo um reator nuclear, refere-se a problemas diferentes dos demais iranianos.
"Às vezes é até uma vantagem", brinca, referindo-se ao fato de não terem de justificar estar junto com seu parceiro como no caso dos heterossexuais. Também quando dão festas: "Como não há mulheres, a polícia não se mete tanto conosco, a não ser que sejam multidões", admite. "Se nos reunirmos mais de cem, temem que a 'doença' possa se difundir."
Curiosamente, embora essa relação tenha sido praticada tradicionalmente, em persa não existia uma palavra para definir a homossexualidade até o século 20.
Taha não gosta do termo "hamjensbaz", que seu presidente empregou. "É pejorativo", diz sobre o neologismo que significa literalmente "brincar com o mesmo sexo". Ele refere-se a si próprio como "gerá", redução de "hamjensgerá" (inclinação pelo mesmo sexo).
O desprezo é algo a que os homossexuais iranianos estão acostumados. Desprezo, indiferença ou olhar para o outro lado, como fez Ahmadinejad. "Os iranianos são fechados em relação a esse tema. Não se pode falar livremente", salienta Taha. Nem mesmo com a família mais próxima.
"Oitenta por cento não aceitam", afirma o jovem. "Eu tenho uma família educada, mas ainda não contei para meu pai porque inclusive a minoria que chega a aceitá-lo o considera um castigo. Creio que em duas ou três gerações terá sido superado. Na verdade, entre as pessoas da minha idade não há problema."
Por enquanto, porém, impera a idéia de que a homossexualidade é uma doença. Na verdade, com o certificado médico, os que se declaram gays ficam isentos do serviço militar. "É verdade que você consegue se livrar do serviço, mas nem eu nem a maioria de meus amigos fizemos isso porque depois a carteira marca como causa o artigo 29, e todo mundo sabe do que se trata", explica Taha. "Fica impossível conseguir um emprego."
Por ora, Taha decidiu viver sem um parceiro. "Gostaria de ser deputado no Parlamento, mas quero começar na política local", afirma, convencido de que só de dentro se podem mudar as coisas. Isso o obriga a ser extremamente cuidadoso em seu comportamento. Deve evitar se envolver em incidentes como o que na última primavera acabou levando à delegacia dois jovens que comemoravam com um grupo de amigos sua decisão de morar juntos.
A polícia invadiu a festa e todos os participantes terminaram sob o chicote do carrasco. Sua história e as marcas das 80 chibatadas por "relação imprópria" que receberam podem ser vistas no site da Organização Gay Iraniana, com sede nos EUA. Hoje os dois amigos saíram do Irã à espera de encontrar um país de refúgio. Mas seu calvário não foi muito diferente do que sofrem os jovens heterossexuais quando são descobertos dançando ou bebendo álcool em uma festa privada.
Como no caso das execuções de homossexuais periodicamente denunciadas pelas organizações internacionais de direitos humanos, fica difícil provar que Farsad e Farnam foram açoitados por serem gays. "Não executam os homossexuais, só os violadores, e estou de acordo", defende Taha.
"É preciso ler com certa distância os relatórios da Anistia Internacional e da Human Rights Watch [sobre a homossexualidade no Irã]", adverte um diplomata europeu que acaba de elaborar um documento sobre o assunto para seu governo. A recente atualização do texto da UE sobre direitos humanos no Irã conclui que "não há perseguição de homossexuais, embora continue sendo um tabu social", a lei preveja penas máximas e o presidente nem sequer aceite que eles existam.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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