Juca
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Bandeira todo prosa
Faceta menos conhecida do poeta se revela em novas reedições e em textos inéditos em livro
POR JOSÉLIA AGUIAR
O pai o criou desde menino para arquiteto, mas um dia a saúde se foi e ele virou poeta -"um poeta menor", como diz Manuel Bandeira (1896-1968) no seu "Testamento", uma das pequenas obras-primas que denunciam sua grandeza. Na vida, que durou muito mais do que a tuberculose permitia prever, ele escreveria não apenas os versos pelos quais é conhecido. Sua produção intelectual foi profícua e eclética. Dedicou-se a crônicas, ensaios e críticas de literatura, música e artes plásticas publicadas em jornais e revistas do Rio de Janeiro, São Paulo e Recife entre as décadas de 20 e 50.
Essa vasta obra em prosa não continuará ignorada por muito tempo. A Cosac & Naif adquiriu da Nova Fronteira os direitos de republicar mais de uma dezena de livros com escritos dessa natureza -- os versos vão continuar com a editora carioca. A notícia é ainda mais alvissareira pela promessa de que, na nova leva, virão ao menos dois volumes com crônicas até então inéditas em livro.
De fato, encontrar o Bandeira poeta nas crônicas é a primeira das graças de ler a sua prosa. Não é senão o autor de "Profundamente" quem aparece em Flauta de papel escrevendo sobre os parentes mortos: "O livro mais precioso de minha biblioteca é um velho caderninho de folhas pautadas e capa vermelha, comprado na Livraria Francesa, rua do Crespo, 9, Recife, e em cuja página de rosto se lê 'Livro de assentamento de despesas. Francelina R. de Souza Bandeira'. Era o nome da minha mãe." Mais adiante, diz: "Sinto meu avô materno nos meus cabelos, sinto-o em certos meus movimentos de cordura. (...) Minha mãe transmitiu-me traços de meu avô que, no entanto, não estavam nela. Que grande mistério que é a vida".
As crônicas oferecem a aventura lírica de reconstituir parte da biografia do poeta, principalmente os capítulos mais emblemáticos de sua vida - o da tuberculose - nos trechos em que o tom confessional prevalece: "A história da minha adolescência é a história de minha doença. (...) A moléstia não me chegou sorrateiramente, como costuma fazer, com emagrecimento, febrinha, um pouco de tosse, não; caiu sobre mim de supetão e com toda a violência, como uma machadada de Brucutu", escreve, em Andorinha, Andorinha.
O poeta em seu apartamento no Rio de Janeiro, anos 40
A leitura das crônicas de Manuel Bandeira faz o leitor reconhecer uma das principais características de toda uma geração literária. Escrever crônicas, para os modernistas, foi decisivo na defesa da oralidade que pregavam. O gênero introduziu "certo prosaísmo na poesia", afirma Massi. É assim que a prosa cristaliza o estilo poético de Bandeira: "Alguns temas tratados nas crônicas muitas vezes migravam para a poesia, operando como vasos comunicantes". Para rastrear essa reciprocidade, o editor sugere ler Libertinagem (1930), o quarto livro de poemas, e Crônicas da província do Brasil, escritas anos antes, e comparar as duas obras.
A segunda leva da Cosac & Naif vai trazer de volta os ensaios em Apresentação da poesia brasileira (1944), Literatura hispano-americana (1949) e De poetas e poesia (1954). É a vez de o leitor saber o que Bandeira pensava sobre literatura. As novas edições, organizadas pelo crítico e pesquisador Júlio Castañon, terão introduções escritas especialmente para a ocasião, notas e fotos.
Antes da prosa chegar, um livro de poemas muito especial marca a estréia de Manuel Bandeira na Cosac & Naif: 50 Poemas escolhidos pelo autor, que sai este mês, é exatamente o que o título diz. Em 1955, o próprio poeta selecionou os versos que ele considerava mais importantes, a pedido de José Simeão Leal, que organizava a coleção "Os Cadernos de Cultura", editada pelo Serviço de Documentação do MEC. O volume foi o de número 77, numa coleção que reunia diferentes áreas do conhecimento, e jamais havia sido reeditado.
O livro começa iconoclasta, com "Os sapos", o poema com que Bandeira causou estardalhaço na Semana de Arte Moderna de 1922 e marcou o seu rompimento com o passado de influência parnasiana. Estão lá, na seleção feita por ele, os "clássicos" com os quais é reconhecido, como "Pneumotórax" ("Diga trinta e três") e "Vou-me embora pra Pasárgada" ("Lá sou amigo do rei"). Depois, é a vez de surgir o Bandeira existencial, melancólico, de "A morte absoluta" ("Morrer mais completamente ainda, sem deixar sequer esse nome") e "Noturno do morro encantado" ("Já morri quando o que eu fui morria").
A musicalidade dos versos sempre foi uma marca de Bandeira, e é assim que o leitor pode descobrir como seu timbre de voz confere outro sentido - agora, com a audição - àquilo que escreve. Acompanhado do livro, um CD registra o poeta lendo 25 poemas, em uma coletânea de gravações dispersas em discos dos anos 40 e 50 que foi reunida pessoalmente por Augusto Massi.
O poeta volta ao nosso tempo com outra relíquia. Em 1967, o embaixador Lauro Moreira e a mulher, a escritora Marly de Oliveira, receberam sua visita no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. Após o jantar, o poeta quis gravar poemas seus. Moreira recolheu da estante um livro de Bandeira e o entregou ao poeta para uma inesquecível sessão de declamações.
Por mais de três décadas, o som foi abafado pela incapacidade técnica de torná-lo audível. Dois anos atrás, numa emissora marroquina, ocorreu ao diplomata tentar escutar outra vez o velho rolo de fita. "De repente, numa emoção solitária, começo a ouvir aquela voz anasalada e tão familiar", recorda. O CD Manuel Bandeira - o poeta em Botafogo tem como contraponto peças para piano de Camargo Guarnieri (1907-1993).
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