terça-feira, 11 de outubro de 2005

Luis Fernando Veríssimo, A Fina Expressão da Ironia!

Revista Língua Portuguesa
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Luis Fernando Veríssimo
A Fina Expressão da Ironia
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Escritor conta como o fascínio pelas palavras, suas origens e transformações, o levou a virar o grande cronista da brasilidade
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Por Luiz Costa Pereira Jr.
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O idioma do mestre da ironia brasileira por muito tempo foi o inglês. Luis Fernando Veríssimo passou parte da infância e da adolescência nos Estados Unidos. O pai, Erico, assumira, entre outros postos, a direção do Departamento de Assuntos Culturais da União Panamericana, órgão ligado à OEA. Por lá, passou períodos intermitentes entre 1953 e 1962. Em boa parte dos seus primeiros 20 anos, Veríssimo teve vida ianque, impregnou- se da prosa americana, do jazz e dos quadrinhos.
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Sua adaptação à vida brasileira, se não foi amarga, custou a dar frutos até ingressar na imprensa, aos 30 anos. Trabalhava no departamento de arte da Editora Globo, de Porto Alegre, quando virou copidesque e, depois, redator no Zero Hora. Chegou a escrever até coluna de horóscopo. Um dia, herdou uma coluna de crônicas.
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Era o início de uma carreira de surpreendente vitalidade e senso de observação da vida e da fala brasileira, manifestos na crônica, no romance, nos quadrinhos, nos roteiros para TV. Trata com igual desenvoltura sobre cotidiano, política, futebol e etimologia. Como quem não quer nada, virou unanimidade. Quando o governo Lula e a Unesco resolveram lançar campanha para comemorar o ano ibero-americano da leitura, há um mês, foi com um livro de Verissimo que presentearam 40 mil torcedores no jogo em que o Brasil se classificou para a Copa do Mundo de 2006, contra o Chile, em Brasília.
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Loas como essa não parecem envaidecê-lo. Verissimo é tímido, mas não isolado do mundo. É monossilábico, quem sabe uma maneira de cultuar ainda mais a própria lucidez.
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Este ano, quebrou a rotina de ficar ao computador nove horas diárias, de segunda a sábado, para dar conta da agenda semanal de colaborações em jornais e produzir seus livros. Tem vivido a agenda de eventos do centenário de seu pai, autor de O Tempo e o Vento. Não diz não nem a festas de colégio, diz a mulher Lúcia, com quem casou em 1964 e teve três filhos.
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Em Paris, num dos poucos respiros da agenda, Veríssimo fala sobre a carreira e o humor brasileiro, recapitula o próprio aprendizado em língua portuguesa e, sem bancar o especialista, arrisca falar de uma de suas paixões: o idioma, seus limites e suas possibilidades.
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Língua - Existe alguma técnica para quem deseja escrever com ironia?
Luis Fernando Verissimo - É curioso. Os brasileiros estão acostumados com a ironia, nada mais comum do que duas pessoas que se amam se agredirem ironicamente, ou as pessoas dizerem o contrario do que realmente pensam, mas coloque- se isso num texto e o comum é as pessoas não entenderem. Esta é a maior ironia de todas. Se há uma técnica para escrever com ironia? Não, é só ser irônico, brasileiramente.
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Como assim? Que tipo de humor tem o brasileiro que o distingue de outros povos?
Uma das características do humor brasileiro é a auto-depreciação, mas com um toque de orgulho. Tipo o fato de brasileiro não ter jeito mesmo torná-lo um ser excepcional.
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Qual é a grande matéria-prima para escrever crônicas? O comportamento? O futebol? As CPIs? O Bush no Iraque?
A principal matéria-prima para a crônica são as relações humanas. O modo como as pessoas se amam, se enganam, se aproximam ou se afastam num ambiente social definido. Ou qualquer outra coisa.
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É mesmo possível "atingir a profundidade ficando na superfície", como você diz?
A gente pode escrever sobre qualquer coisa, até as mais profundas, sem renunciar à leveza ou à informalidade.
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Você começou a escrever relativamente tarde. Ser filho de um escritor do porte de Érico Verissimo o intimidou de alguma forma?
Comecei a escrever profissionalmente aos 30 anos, quando fui trabalhar na imprensa, depois de tentar outras coisas que não deram certo. Na época, não se precisava ter diploma para começar no jornalismo. Comecei como copidesque e, eventualmente, passei a ter um espaço assinado e me tornei cronista. Antes, além de umas traduções do inglês, nunca tinha escrito nada, e não tinha idéia de ser escritor. Se o fato de ter um pai escritor me inibiu? Conscientemente, não. Inconscientemente, talvez. Às vezes, fico tentado a inventar algum grande drama edipiano entre meu pai e eu para satisfazer a expectativa das pessoas, mas nunca houve isso.
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Qual a influência de seu pai no seu estilo?
O pai foi um dos primeiros escritores brasileiros a fazer literatura urbana, influenciado pela literatura anglo-saxônica, e seu jeito mais informal de escrever influenciou toda uma geração e a mim também.
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Ter vivido muito tempo nos Estados Unidos afetou de alguma maneira o seu aprendizado do português?
Sim, praticamente eu me alfabetizei em inglês e sempre li muito os americanos e os ingleses, e isso determinou meu jeito de escrever. Tem gente que diz que eu escrevo em inglês traduzido. Mas a influência dos cronistas brasileiros, e do meu pai, também foi forte.
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Quem fez mais diferença em despertar a paixão pela escrita em você, a escola, o trabalho, o ambiente que tinha em casa quando pequeno?
O fato de viver numa casa em que havia livros e o livro era uma coisa importante. Determinou o meu gosto pela leitura e, eventualmente, meu trabalho. A escola teve pouco a ver com isso. Eu era um péssimo aluno e aproveitei muito pouco da escola. Era ótimo em geometria e nunca mais precisei da geometria na vida.
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Quem você respeita como cronista no Brasil de hoje?
Há muitos ótimos cronistas escrevendo hoje e, claro, temos tradição de grandes cronistas, como o Rubem Braga, o Paulo Mendes Campos e o Antonio Maria, que fizeram essencialmente crônicas e foram três dos principais escritores do Brasil.
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Volta e meia vemos a etimologia virar base para uma crônica sua. É uma paixão ou só um bom pretexto?
Sou fascinado pelas palavras, suas histórias, origens e transformações. Já era fascinado antes de começar a lidar com elas profissionalmente.
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O que na língua portuguesa mais o impressiona? E o que é obstáculo?
O português é uma língua belíssima. Ou será que podemos ser objetivos a respeito da nossa língua-mãe, como certamente não podemos ser a respeito da nossa mãe biológica? O que mais me incomoda, ou desafia, na língua portuguesa é mesmo o verbo "haver".
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Mídias como a internet e a televisão vão mudar inevitavelmente o jeito de as pessoas se expressarem?
Acho que estão mudando, e que isto é inevitável. A língua é uma coisa viva e, como tudo que é vivo, se transforma, se deteriora e se enriquece.
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Falas regionais, como a gaúcha, estão sendo ameaçadas pela pasteurização?
Pois é, hoje está todo o mundo falando globês. Os regionalismos estão acabando. Outra coisa lamentável mas inevitável.
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O brasileiro poderia ser definido numa única frase?
Uma única frase? Talvez "Conosco ninguém podemos".
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O que acha dos jargões, como o juridiquês, por exemplo?
Todas as categorias têm suas línguas próprias, que é uma maneira de marcar o território de cada uma e excluir os estranhos, ou os não-iniciados. É natural este desejo das pessoas de pertencer a culturas fechadas com seus códigos exclusivos.
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Em plena crise brasileira, um deputado apresenta um projeto para acabar com a crase. O que acha disso?
Eu era contra a crase até aprender a usá-la. Hoje, eu a defendo, para não concluir que perdi meu tempo.
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A língua portuguesa corre o risco de ser engolida pela globalização?
Língua da globalização é inglês. Acho que já nos entregamos.
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O brasileiro deve reafirmar a própria língua ou aceitar as influências que recebe, numa boa?
A rendição ao inglês já aconteceu. A gente deveria só evitar os exageros. "Delivery" em vez de "entrega", por exemplo, é um pouco demais.
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Você acredita que a desigualdade social se expressa também na língua?
Nada separa as classes como a língua. Fora a renda, claro.
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Há um jeito neoliberal de usar a língua? Ou um jeito humanista de encará-la?
Acho que existe uma linguagem da prepotência e uma linguagem da enrolação intelectual, e uma linguagem da desconversa, mas não me peça exemplos.
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Quem usa melhor o português brasileiro? O gaúcho? O carioca? O nordestino? O paulista?
Já ouvi dizer que o melhor português é falado no Maranhão. Não sei se é verdade.
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Qual livro da literatura brasileira você considera o mais bem-escrito?
Só posso recomendar os que eu leio e gosto. O Moacyr Scliar, o Tabajara Ruas, o Rubem Fonseca, o José Roberto Torero.

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