segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Crimes de honra: a barbárie ainda sobrevive

Bom, pelo título do post já se pode vislumbrar que o assunto é de difícil digestão. Ao ler a matéria que deu origem ao meu post fiquei com uma sensação de que havia viajado no tempo e que estava vivendo num daqueles períodos sombrios da Antiguidade.

Mas a viagem foi curtíssima, durou menos de 30 segundos. Infelizmente, práticas bárbaras de um passado desonroso na história da civilização ainda convivem 'harmoniosamente' nos tempos atuais. E com o aval de muitos notáveis e pessoas de bem.

Em meio ao turbilhão de pensamentos que me acometeu, encontrei mais alguns indícios de como o ser humano consegue ser cruel com seu semelhante em nome de certas tradições e costumes culturais que, ao meu ver, só mancham e envergonham a definição para o termo "ser humano".

Souad: Queimada Viva

Baixar o e-book (link disponível na internet) Fonte: Vintage 69

Trecho retirado do e-book:

Na sua aldeia da Cisjordânia, como em tantas outras, o amor antes do casamento era sinónimo de morte. Tendo ficado grávida, um cunhado é encarregado de executar a sentença: regá-la com gasolina e chegar-lhe fogo. Terrivelmente queimada, Souad sobrevive por milagre. No hospital, para onde a levam e onde se recusam a tratá-la, a própria mãe tenta assassiná-la.

Hoje, muitos anos depois, Souad decide falar em nome das mulheres que, por motivos idênticos aos seus, ainda arriscam a vida. Para o fazer, para contar ao mundo a barbaridade desta prática, ela corre diariamente sérios perigos, uma vez que o "atentado" à honra da sua família é um "crime" que ainda não prescreveu.

Um testemunho comovente e aterrador, mas também um apelo contra o silêncio que cobre o sofrimento e a morte de milhares de mulheres.

O relato de um milagre.

France Soir

Resenha sobre o livro, retirada de um blog lusitano:

Souad é uma mulher com idade incerta (entre 40 e 50 anos) que foi vítima de um «crime de honra». No entanto, sobreviveu e acaba de publicar um livro intitulado “Queimada Viva”, onde conta como tudo aconteceu.

Souad nasceu numa pequena aldeia da Cisjordânia e acaba de publicar um livro intitulado “Queimada Viva”. No livro conta-nos a história da sua vida, uma vez que foi vítima dos «crimes de honra», que matam cinco mil mulheres por ano em vários países, como é referido na revista Pública do passado dia 2 de Maio.

Entre esses países encontram-se o Brasil, Jordânia, Equador, Uganda, Egipto e Turquia, entre outros.

Com origem em tradições tribais e patriarcais, os «crimes de honra» são actos de violência praticados contra as mulheres quando estas cometem adultério, querem o divórcio, são violadas ou se recusam a submeter a um casamento arranjado e são aplicados pelos homens da família. Como e referido na revista Pública, a organização Human Rights Watch (HRW) apresentou um documento à ONU em 2001 onde é referido que “os crimes de honra não são específicos de nenhuma religião, nem estão limitados a qualquer região do mundo”.

No livro “Queimada Viva”, Souad conta precisamente como foi julgada e condenada pela família. Na altura em que tudo aconteceu, tinha 17 anos e ainda não era casada, o que na sua aldeia a tornava alvo de troça. Apaixonou-se por um rapaz que a tinha pedido em casamento, mas que a abandonou quando soube que Souad estava grávida. POR intermédio de uma tia, os pais tiveram conhecimento do sucedido e logo prepararam a sentença. No dia seguinte, o cunhado de Souad regou-a com gasolina e ateou-lhe fogo. A jovem conseguiu sobreviver e acabou por ser salva no hospital, já depois de ter dado à luz, por Jacqueline Thibault, activista de uma organização suíça, a Surgir. Jacqueline consegue convencer os pais de Souad que seria melhor que a filha morresse noutro país.

Souad relembra toda a história da sua vida no livro. Conta como conheceu o seu actual marido e como consegue manter contacto com o filho, que tinha sido adoptado. Recusa-se a dizer o nome verdadeiro ou a mostrar a cara, pois receia ser encontrada pela família.

No que diz respeito a tradições religiosas, como a proibição do uso do véu em França, tem uma posição muito definida: “Se querem pôr o véu, que fiquem nos seus países. Se vivemos na Europa, temos de viver como na Europa”, refere na revista Pública.

Souad é uma das sobreviventes dos «crimes de honra» e pode contar a sua história ao mundo, mas a verdade é que pouco se tem feito para garantir a liberdade das mulheres em países onde os animais são considerados mais importantes e onde apenas os homens podem frequentar a escola.

Fonte: “Queimada Viva”: uma questão de honra

Esta é a matéria que me deixou, mais uma vez, perplexo com o rumo da humanidade:

No Paquistão, um crime bárbaro em nome da tradição

Frédéric Bobin

Em Islamabad (Paquistão)

Eram três irmãs, com idades de 16 a 18 anos. Hameeda, Ruqqaya e Raheena viviam em Baba Kot, uma aldeia no Baluchistão, uma província árida situada no sudoeste do Paquistão, nos confins do Irã e do Afeganistão, lá onde a terra se resume a areia, pedras e rochas buriladas pelo vento. Elas morreram enterradas vivas numa vala comum. Foram vítimas de um "crime de honra" que, pela sua selvageria inédita, vem assombrando as consciências nestas últimas semanas por todo o Paquistão, onde a população geralmente aceita sem problema esses assassinatos que são práticas costumeiras ancestrais.

Hameeda, Ruqqaya e Raheena foram assassinadas em nome da tradição. Elas cometeram o crime de querer casar-se com o homem da sua escolha, e não com os primos que a tribo - dos umrani - havia indicado para elas. O que aconteceu realmente em 14 de julho, naquele dia funesto em que o crime foi perpetrado? Uma sucessão de fatos delineou-se em função das indicações que foram publicadas pela imprensa paquistanesa. Em 13 de julho, as três jovens mulheres haviam deixado sua aldeia de Baba Kot a bordo de um táxi, acompanhadas pela sua mãe e por uma tia. O grupo dirigiu-se na direção de Usta Mohammad, um vilarejo situado a 80 km, onde Hameeda, Ruqqaya e Raheena queriam comparecer no tribunal civil local para se casarem com os homens que haviam escolhido.

A escapada revelaria ser breve e, sobretudo, fatal. Mal haviam chegado a Usta Mohammad, as cinco mulheres foram raptadas por um comando de homens da tribo umrani que as perseguiam desde a sua partida. Elas tinham vilipendiado a ordem ancestral, que sujeita as moças às estratégias matrimoniais do clã, e, portanto, elas precisavam ser castigadas. Elas foram então embarcadas á força - sob a ameaça de fuzis - dentro da van Land Cruiser dos seus seqüestradores, que as conduziram de volta para a aldeia familiar de Baba Kot. Lá, uma jirga - assembléia de notáveis - estava à sua espera, solenemente convocada para decidir sobre as sanções a serem aplicadas contra elas. Prometeram-lhes uma morte muito especial. Esta seria precedida por um pavoroso suplício que deveria servir de lição para todas as outras moças da comunidade.

No dia seguinte, conduzem as cinco condenadas até a parte central de uma área deserta. Os carrascos da tribo levaram consigo uma escavadeira. A máquina começa a cavar uma fossa. Então, o motorista que está nos comandos do buldôzer aciona a lâmina dentada. Ele a dirige sobre as mulheres que estão amarradas e alinhadas. A ferramenta funciona como uma faca gigante que tritura sua carne, seus ossos, seu crânio. Depois disso, uma rajada de tiros de fuzil as ceifa. A escavadeira empurra então os corpos martirizados para dentro da vala que se tornaria o seu túmulo. Elas sangram em abundância, mas, conforme relatarão mais tarde os jornalistas paquistaneses, elas ainda não haviam sucumbido aos seus ferimentos quando os torturadores começaram a cobri-las com areia e pedras.

Mulheres foram enterradas vivas no Baluchistão! O que saberíamos hoje a respeito deste crime bárbaro se a sociedade civil paquistanesa, ajudada pelos seus veículos de comunicação audaciosos e suas associações feministas inconformadas, não tivesse se mobilizado para evitar que as supliciadas de Baba Kot fossem enterradas uma segunda vez? A informação veio à tona em 24 de julho, graças a um corajoso jornalista local, um correspondente do diário em língua urdu "Jang", que trabalha na sucursal de Quetta, a capital do Baluchistão. O artigo não oferece muitos detalhes e não cita nome algum, mas o seu autor não demora a receber ameaças de morte por parte da tribo umrani.

Justificativa cultural

A partir daquele momento, é na cidade de Islamabad, a capital do país, onde muitas mentes esclarecidas já se mobilizaram, que o combate jornalístico começa a ser orquestrado. O diário em inglês "The News" se destaca nessa tarefa. Ele confia para Rauf Klasra, um jornalista de investigação acostumado com os escândalos financeiros, a missão de desembaralhar o fio da meada deste "crime de honra", que uma conspiração do silêncio parece querer abafar. A polícia do Baluchistão não toma iniciativa alguma, porque personalidades locais de peso estão envolvidas no crime. A Land Cruiser que permitiu seqüestrar as cinco mulheres tinha uma placa oficial que é reservada exclusivamente para os veículos do governo do Baluchistão.

Segundo apontaram várias testemunhas, o instigador do assassinato seria Abdul Sattar Umrani, que não é ninguém mais que o irmão de Sadiq Umrani, o ministro da habitação do governo do Baluchistão, um respeitado membro do Partido do Povo Paquistanês (PPP), o partido do clã dos Bhutto que está atualmente no poder no Paquistão. Por mais que o movimento que foi liderado durante mais de duas décadas por Benazir Bhutto (assassinada no final de 2007) se valha de um progressismo teórico em relação à questão dos direitos das mulheres, as tramóias e os conluios politiqueiros quase sempre acabam soterrando os nobres ideais.

Acima de tudo, o PPP tenta evitar ofender os chefes de tribo do Baluchistão, uma província que contribuiu de maneira decisiva para a eleição, em 6 de setembro, de Asif Ali Zardari, o viúvo de Benazir, para a presidência do Estado.

Contudo, o jornalista Rauf Klasra insiste em prosseguir até o fim a tarefa que lhe foi confiada. "É uma história de enorme importância, mas eu estava com medo de que ela acabasse sendo esquecida", explica, "isso porque os nossos dirigentes políticos fingiam não terem interesse nela". Portanto, o investigador do "The News" mantém a pressão, e segue revelando cada novo indício que ele encontra. O seu trabalho acaba encontrando uma receptividade inesperada no Senado, em 29 de agosto, quando, respondendo a uma interpelação de uma eleita a respeito do drama de Baba Kot, Mir Israhullah Zehri, um representante de um partido nacionalista do Baluchistão, apresenta como argumento uma justificativa cultural dos "crimes de honra". "Estas são tradições que remontam a muitos séculos", argumenta, "e eu sempre lutarei em favor da sua manutenção". No hemiciclo, protestos são ouvidos por todos os lados. A televisão filma esta altercação incomum e, assim fazendo, confere uma dimensão nacional para o caso.

"Tudo mudou de figura a partir do momento em que os canais de televisão transmitiram este incidente no Senado", decifra Rauf Klasra. "Num país como o Paquistão, onde a taxa de analfabetismo é muito elevada (70%), a imprensa escrita tem pouca repercussão. Uma vez que as emissoras de TV começaram a cobrir o caso, os dirigentes políticos foram obrigados a reagirem". O Paquistão deixou de ser verdadeiramente o mesmo desde que os canais privados floresceram, aproveitando-se da desregulamentação do setor audiovisual, uma herança paradoxal do reinado militar (1999-2008) do ex-presidente Pervez Musharraf.

Com isso, o silêncio constrangido deu lugar repentinamente para a indignação virtuosa. O Senado federal e a assembléia provincial do Sind adotaram resoluções denunciando o assassinato coletivo de Baba Kot. Nunca ninguém tinha visto coisa igual na história do Paquistão! Nunca um "crime de honra" havia provocado uma emoção tão grande, nas mais altas esferas do Estado. "Está havendo um verdadeiro processo de conscientização", admite Rauf Klasra.

As próprias feministas reconheceram que o seu combate, que era incompreendido e laborioso cerca de quinze anos atrás, passou a ter uma repercussão crescente na classe política. "Recentemente, comecei a ser convidada para dar palestras na Escola da magistratura", comemora Samar Minullah, uma documentarista antropóloga que se especializou nos "crimes de honra". Daqui para frente, dois Paquistãos estão frente a frente. O dos pretórios e dos hemiciclos; e aquele das tribos. Entre os dois, abriu-se uma profunda vala comum.

Tradução: Jean-Yves de Neufville

Fonte: UOL Mídia Global

Mais um artigo: Aumentam estupros e 'crimes de honra' no Paquistão. Não é atual, mas demonstra a falta de atitude das autoridades e da sociedade como um todo já que pouca coisa mudou desde então.

Quatro dos chamados "crimes de honra" foram cometidos pelos pais das vítimas, 15 por seus irmãos, dez por maridos, dois por filhos e outros nove por parentes próximos.

Duas mulheres foram mortas porque não conseguiram ter filhos. Uma outra teria sido morta porque não quis se tornar prostituta.

Fonte: BBC Brasil.

Por fim, faço um pedido especial às mulheres: sejam mais unidas, batalhem pelo mesmo ideal e não se deixem intimidar pelo homem por medo, comodismo, questão de "sempre foi assim" ou por questão sexual. Não quero com isso jogar a culpa nas mulheres, muito pelo contrário, sempre repudiei atitudes violentas por parte dos homens. Também não acho que as mulheres devam fazer uso das mesmas truculências. Só acho que, na maioria das vezes, as mulheres tendem a condenar a mulher e colocar o homem como inocente. Mesmo que a mulher tenha cometido adultério ou algo que fira sua masculinidade, isso não dá o direito ao homem de agir com violência.

Gostaria muito que a sensibilidade e sabedoria femininas alterassem o rumo da história da humanidade de forma mais ampla e permanente. Sei que já fizeram muito nesse sentido, mas é preciso tomar as rédeas das mãos dos homens. Deixar de ser coadjuvante para ser protagonista.

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É inacreditável que tais fatos aconteçam ainda nos dias hoje. Quantas atrocidades não se faz com as mulheres. Dia desses fiquei sabendo que meninas em um determinado país, desses que só existem homens, pois mulheres não nada, eles retiram a sangue frio o clítores das meninas, isso é um absurdo.E quantas crimes não se cometem e pior sempre colocando a culpa na religião com suas n's interpretações.Realmente nós mulheres deveríamos seguir seus sábios conselhos.
Esse tema nos leva a refletir em muitas coisas não é mesmo meu querido?
Beijos Juca e fique na paz do Senhor!
Rô!

Juca

Rô, agradeço pela sua posição diante desses abusos que somos obrigados a tomar conhecimento quase que diariamente. É inconcebível que coisas assim continuem sendo perpetradas pelo homem porque ele usa como arma a violência e a conivência, inclusive de muitas mulheres. :-(

Fique na paz também!
Beijão!

Éverton Vidal Azevedo

Juca fiquei arrepiado ao ler este post. Interessei-livro. Obrigado pela indicação e resenha.

Um abraço.
Inté!

Anônimo

Que belo post Juca!

Mesmo sabendo que isso acontece, não conseguimos deixar de ficar horrorizados com esses relatos.
Mas como vc lindamente fechou o post, está sim nas mãos das mulheres mudar esse quadro, muito já fizemos, mas ainda há muito o que fazer.
De nada adianta reclamar dos outros e ficarmos caladas.

Bêjo meu lindo!
Também estou com saudades!
Cheguei em casa há +/- 1h e estou lendo alguns blogs, e vou acordar 5h amanhã, por isso não entrei no Skype, mas estou cheia de saudade de todos vcs. Faz tempo que não conversamos todos juntos =/

Beijão!

Juca

Pois é, Vidal! É de arrepiar mesmo! :-(

Basta clicar lá no link abaixo da imagem para baixar o livro (e-book). Ainda não o li, pois baixei hoje, mas no blog que tem o link para download há uma resenha dizendo que é um relato corajoso.

Abração! :-)

Juca

Oi, Nana!

Tem razão, ao menos ainda nos sobrou o direito a ficar horrorizados com tanta crueldade. Quando falo que as mulheres precisam tomar as rédeas, não quero jogar toda a carga em cima delas, mas apenas penso que as mulheres podem mudar este estado lastimável que o 'macho' insiste ainda em impor como sendo o correto, o que Deus, Alá (etc.) deixou como herança!

Beijão! A gente se fala outro dia! :-)

Anônimo

É Juquinha,
infelizmente isso acontece, e ainda dizem que é cultura!!
Cultura pra mim é capoeira, música, estilo.... e não barbaridades contra as mulheres!!
juca, adorei o post e qro mto ler o livro!!!
Beeeijooos

Juca

Certamente, Su! Esse argumento de que a violência faz parte da 'cultura' do país não pode ser aceito de forma alguma. Chega de tanta violência!

Também estou ansioso para ler o livro!

Beijos!

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