Crônica
O diabo veste jeans
Manoel Carlos
Leo Martins |
– Tenho a cabeça cheia de mulheres – me dizia o Antenor, no Café Severino, enquanto saboreávamos uma trivial xícara de café com leite acompanhada de um pãozinho francês com manteiga. Bem, há que dizer que eram 4 horas da tarde de uma também trivial segunda-feira, dia e hora que combinam perfeitamente com o singelo lanche. Gostar de café com leite é uma herança da minha mãe. Modesta herança, concordo, que não enriquece nenhuma biografia, mas aquece o peito numa indecisa tarde de inverno carioca. E Antenor continuou:
– Não consigo pensar em uma só mulher, isoladamente. Elas me vêm aos montes: loiras, morenas, gordas e magras, bonitas e... até mesmo as feias. Aliás, para mim não existe mulher total e irremediavelmente feia. Sempre sobra alguma coisa! Namorei uma que tinha o pé direito mais lindo do mundo, mas o esquerdo e tudo o mais que se equilibrava sobre os dois, bem... o resto não era lá essas coisas.
– O Vinícius...
– Nunca concordei com o Vinícius – bradou ele. – Beleza não é fundamental. O fundamental é ser mulher. Durmo pensando nelas e elas circulam em todos os meus sonhos, até mesmo nos meus pesadelos, e são elas, sempre elas!, que ocupam meu pensamento assim que acordo. E olha, amigo: são tantas e tão variadas que me aparecem até mesmo loiras inteligentes e morenas burras!
E Antenor riu da própria piada, ao mesmo tempo que mergulhava uma banda de pão francês na espuma do leite quente.
– Quando estou dirigindo, no meio do maior trânsito, e elas cruzam diante do carro, andando molemente, o corpo solto, fico olhando, embasbacado, e... Ah, e quando estou no centro da cidade? É lá que circulam as mulheres de tailleur, as tais secretárias executivas, eficientes e belas. Tailleur! Se as mulheres soubessem como ficam encantadoras e sedutoras quando se vestem de mulher, tenho certeza de que jamais vestiriam um jeans!
– Ah, não acredito que você...
– Virou uniforme, cara! Todas vestem jeans! Até o diabo! Padronizaram as mulheres como se fossem objetos! Preste atenção: de costas, por exemplo, quando não dá para ver as expressões do rosto, uma mulher de jeans não tem identidade própria.
– Você está sendo radical!
– É o que eu vejo. Andam da mesma maneira, sentam-se, levantam-se e cruzam as pernas do mesmo jeito. Por quê? Porque, aparentemente, são todas iguais!
– Mas as aparências enganam!
– Eu precisaria amar cada uma, individualmente, para sacar a diferença entre elas!
– Para você, então, não há diferença de uma mulher para outra? Sua cabeça está cheia delas, mas todas acabam sendo iguais!
– Meu caro: sabe o que cria a diferença numa mulher?
– ?
– Ser amada. Ouça estes versos, que encerram um belo poema.
E em voz pausada, procurando algumas palavras na memória e passando nos lábios um guardanapo de papel, disse sem recitar:
O que falta a todas elas,
mesmo às que são mais puras e mais belas,
é um detalhe sutil, um quase nada.
Falta-lhes a paixão que em mim te exalta,
e, entre os encantos de quem brilha, falta
o vago encanto da mulher amada!
– Entendeu? Só o amor distingue uma mulher de outra!
– Sendo assim, se todas lhe parecem iguais, isso significa que...
– ...que eu nunca amei nenhuma!
Antes que fosse criada uma pausa de amarga reflexão, brinquei para relaxar:
– Ah, Antenor, qual é? Você está na quarta separação e partindo, que eu sei, para o quinto casamento...
– Acasalamento – corrigiu ele. – Só me junto a uma mulher para procriar, como bom animal que sou.
Um expresso fechou nosso encontro e nos separamos. O crepúsculo, em seguida, engoliu Antenor e toda a sua estapafúrdia teoria sobre as mulheres, estejam elas de tailleur ou de jeans. Afinal, tudo não passou de um trivial episódio à beira de um café com leite e um pãozinho francês com manteiga, na paz do Café Severino.
Em tempo: Antenor tem nove filhos e 54 anos de idade. E está partindo, como eu disse, para o quinto... acasalamento!
Fonte: Veja Rio Online
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